Dom Reginaldo Andrietta
Bispo Diocesano de Jales, SP
A crise, hoje, amplamente discutida por
todos os setores sociais, não é tão nova como se pensa, tampouco
exclusiva dos tempos atuais. A humanidade vive em permanente crise. Ela
se manifesta, sempre, de modos diferentes. A crise de hoje, do ponto de
vista econômico e social, nada mais é do que uma nova crise do
capitalismo, sistema no qual estamos imersos há vários séculos. Essas
crises, relacionadas a transformações nas relações de poder econômico e
político, estão, por sua vez, associadas a mudanças tecnológicas,
especialmente nos processos produtivos.
Vivemos, hoje, a quarta revolução
industrial. Na primeira, entre 1760 e 1830, houve mudança da produção
manual à mecanizada. A segunda revolução, gerada sobretudo pela
introdução da eletricidade nos processos produtivos, favoreceu a
produção em massa. A terceira ocorreu desde os meados do século 20, com o
desenvolvimento da eletrônica e as telecomunicações. A quarta
revolução, de cunho digital, está provocando automatização acelerada dos
processos produtivos, independizando-os de atividades humanas.
Centenas de economistas e líderes
governamentais de nações ricas, reunidos no Fórum Econômico Mundial, em
Davos, Suíça, nos últimos dias, se manifestaram entusiastas com esse
tipo de revolução, pois reforça seus ideais de uma economia modernizada,
a seu favor. Com ela, a economia mundial crescerá enormemente para os
que têm capacidade de inovação e adaptação. No entanto, as economias de
países tidos como subdesenvolvidos e emergentes, incapazes de se
modernizarem no mesmo ritmo, estão sendo atropeladas.
Essa disparidade no desenvolvimento das
nações, tem sido claramente questionada pela Doutrina Social da Igreja,
com pronunciamentos significativos de nossos Papas. Paulo VI, em sua
Encíclica sobre o Desenvolvimento dos Povos, de 1967, já se referia a
essa “dura realidade da economia moderna”, como um mecanismo que
“arrasta o mundo, mais para a agravação do que para a atenuação da
disparidade dos níveis de vida: os povos ricos gozam de um crescimento
rápido, enquanto os pobres se desenvolvem lentamente”.
O Papa João Paulo II, em sua Encíclica
Centésimo Ano, de 1991, afirmou que as nações mais pobres “têm
necessidade que lhe sejam oferecidas condições realisticamente
acessíveis”, por meio “de uma concertação mundial para o
desenvolvimento, que implica inclusive o sacrifício das situações de
lucro e de poder, usufruídas pelas economias mais desenvolvidas”. Em sua
mensagem para o Dia Mundial da Paz, em 1° de janeiro de 2004, evocou a
necessidade de uma nova ordem mundial fundada na solidariedade entre
países ricos e pobres.
O Papa Francisco, por sua vez, afirmou
na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, de 2013, que “a economia
deveria ser a arte de alcançar uma adequada administração da casa comum,
que é o mundo inteiro”, e destacou que “se realmente queremos alcançar
uma economia global saudável, precisamos, neste momento da história, de
um modo mais eficiente de interação que, sem prejuízo da soberania das
nações, assegure o bem-estar econômico a todos os países e não apenas a
alguns”. Ele é contundente em sua proposta de mudanças estruturais na
economia global.
A tão comentada crise brasileira está,
portanto, relacionada à ordem econômica mundial. Estamos saturados de
problemas causados por enormes contradições globais. Essa crise, no
entanto, é uma oportunidade para libertamo-nos de dependências
históricas, por meio da cooperação entre nações que andam a pé na
estrada da livre concorrência econômica, atropeladas por outras com seus
veículos potentes. Se o governo atual persiste em continuar nessa pista
de corrida desleal, que para nós é mortal, cabe-nos, como cidadãos e
cidadãs, insistir que necessitamos trilhar outro caminho.
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