Teologia
para uma missão a partir da América Latina hoje. Esse é o tema do
Simpósio de Missiologia que acontece em Brasília, no Centro Cultural
Missionário (CCM).
O evento é uma
iniciativa do Centro Cultural e das Pontifícias Obras Missionárias (POM)
e conta com a participação de teólogos, missionários/as, religiosos/a,
leigos/as, estudiosos da área. Tem como objetivo repensar e relançar o
serviço da missiologia nas novas circunstâncias latinoamericanas e
mundiais à luz do Concílio Vaticano II.
Ver e
refletir sobre a realidade da caminhada missiológica foi a intenção da
manhã de debates desta terça-feira, 26, que contou com a assessoria do
professor Roberto Marinucci, mestre em Missiologia e diretor da Revista
Interdisciplinar da Mobilidade Humana. Roberto Marinucci destacou em sua fala a caminhada da missiologia no contexto pós-conciliar.
Para
ele, o Concílio Vaticano II foi um evento de época que provocou várias
mudanças na compreensão e no modo de evangelizar na Igreja Católica, por
exemplo, o conceito de missão como conversão dos infiéis e implantação
da Igreja Católica nas “terras de Missão”. Dessa forma o Concilio gerou a
passagem de uma teologia das “missões” para a teologia da “da
Missão”(Giancarlo Collet).
De
acordo com o assessor, essa passagem advinda das orientações do Concílio
foi inevitável, mas ao mesmo tempo sofrida e complexa.“Sofrida por
questionar a prática de milhares de missionários que, em boa fé, até
então, deram a vida seguindo as orientações missiológicas
pré-conciliares; complexa por não ter um rosto bem definido após a
conclusão do Concílio; em outros termos, a reflexão conciliar questionou
o modelo missiológico tradicional, mas ofereceu apenas algumas
orientações para a estruturação de um novo modelo”, atestou. Neste
contexto de transformações, a teologia da Missão também ganha novo
rosto, se modifica de acordo com os sinais dos tempos.
Marinucci
abordou em sua colocação o como a reflexão missiológica ganhou corpo e
se desenvolveu na América Latina e relatou alguns eventos que marcaram
esse processo:
O
Encontro de Melgar (1968) – Manifesta preocupações com a defesa dos
direitos dos povos indígenas e denuncia as discriminações a que são
submetidos. Chamou a atenção para o desafio do pluralismo cultural,
visto como positivo, pois sugere o reconhecimento da presença universal
do Espírito de Deus na história; o “desenvolvimento integral” do ser
humano, pois a salvação oferecida pela Igreja abrange também a superação
das desigualdades sociais, os esforços de libertar o homem todo de tudo
aquilo que o desfigura, em vista de um mundo mais justo e fraterno;
1º Encontro de Pastoral de Missões no Alto Amazonas (1971)
- O foco da reflexão de Iquitos foi as populações indígenas e a
presença na região Amazônica de populações ribeirinhas e migrantes
urbanos. Teve como objetivo a criação de uma igreja amazônica: “por isso
a Igreja se propõe a tornar-se ela mesma amazônica, solidarizando-se
com estes povos aos quais foi enviada, encarnando-se nas suas culturas,
nos seus ritos, nos seus ministros e nas suas estruturas, e dando-se a
si mesma estruturas de maior unidade, propondo-se de ser fermento
daquela cristã comunhão que se realiza na caridade” (n. 32);
Consulta missionária de Assunção (1972)
– O documento visava tomar posição diante da Declaração de Barbados. Os
erros do passado e do presente “não nos levam à conclusão que se deve
por fim a toda atividade missionária”, mas exigem, sim, uma revisão
radical da práxis evangelizadora, que implica o abandono de toda
ideologia ou prática conivente com a opressão, a denúncia de todo tipo
de exploração dos povos nativos e a proclamação do Evangelho de Cristo,
que é essencial para a plena libertação dos índios, mas também da
própria Igreja.
1º Encontro Panamazônico de Pastoral Indigenista (1977)
– Destacou a missão doutrinadora e sacramentalista; a missão
desenvolvimentista e paternalista; a missão encarnacionista e
libertadora. Embora o texto não aprofunde as características específicas
dos três modelos, sustenta que há uma tendência crescente em assumir o
terceiro, que está em linha com a reflexão teológica latino-americana
pós-conciliar;
1º Encontro Ecumênico de Pastoral Indigenista do Cone Sul da América Latina(1980)
- Afirmava a crença na ação missionária das Igrejas cristãs, tinha o
propósito de promover e conservar a unidade dos povos indígenas,
evitando qualquer ação que possa causar ou fomentar divisões por
problemas religiosos. Em outros termos, a divisão entre as Igrejas não
prejudicaria apenas a credibilidade da missão, mas poderia prejudicar
também a causa indígena, gerando divisões entre povos por razões
religiosas.
1º Consulta Ecumênica sobre Pastoral Indigenista na América Latina (1983)
- Chamou a atenção pelas frequentes referências aos povos indígenas
enquanto sujeitos da construção de uma “sociedade alternativa”, de um
projeto de “sociedade utópica”: os indígenas “constituem potencialmente
uma das forças mais vivas da história atual, por contarem em si um
projeto alternativo de sociedade”. Se os povos nativos podem carregar o
germe de uma sociedade alternativa, as minorias étnicas, que são vítimas
de “políticas extincionistas”, se tornam caminhos de libertação;
500 anos de resistência indígena (1992)
- O papel das culturas enquanto fontes de resistência e libertação foi
ainda mais aprofundado por ocasião das comemorações dos 500 anos do
“descobrimento”, da “evangelização”, da “invasão” ou de “resistência
indígena”;
Seminário Missiológico Internacional(1999)
- Para refletir sobre os desafios da globalização na ótica dos
outros/pobres, testemunha, por um lado, a preocupação da reflexão
missiológica em denunciar o caráter excludente e homogeneizador das
dinâmicas globalizadoras, mas, por outro, revela também a opção por uma
metodologia teológica de cunho comparativo e intercultural.
Segundo
Marinucci, todos esses encontros tiveram um tipo de impacto sobre a
realidade da missão hoje, na América Latina. “A questão ecumênica, do
diálogo interreligioso, nos permite ver o quanto evolui a reflexão
teológica e missiológica que neste se tornou uma fonte importante de
memória para as gerações futuras em vista de estabelecer uma caminhada
neste sentido”, afirmou.