Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre
No início de um novo ano civil, somos atingidos por sentimentos de esperança e de paz. Esses sentimentos se fazem ainda mais fortes em momentos em que se constatam elementos contundentes que permitem duvidar da possibilidade da paz.
Há 50 anos, o dia 1 de janeiro é considerado o Dia Mundial da Paz. Para essa data, o Santo Padre habitualmente publica uma mensagem dirigida a todas as pessoas de boa vontade. A deste ano, que tem como título “A não-violência: estilo de uma politica para a paz”, Francisco começa dizendo: “No início deste novo ano, formulo sinceros votos de paz aos povos e nações do mundo inteiro, aos chefes de Estado e de governo, bem como aos responsáveis das Comunidades Religiosas e das várias expressões da sociedade civil. Almejo paz a todo o homem, mulher, menino e menina, e rezo para que a imagem e semelhança de Deus em cada pessoa nos permitam reconhecer-nos mutuamente como dons sagrados com uma dignidade imensa. Sobretudo nas situações de conflito, respeitemos esta ‘dignidade mais profunda’ e façamos da não-violência ativa o nosso estilo de vida”.
Vale destacar a expressão “que a imagem e semelhança de Deus em cada pessoa nos permitam reconhecer-nos mutuamente como dons sagrados com uma dignidade imensa”. Em tempos de dilaceração das relações humanadas e exacerbação da intolerância que se expressa de muitos modos entre nós, as palavras do Papa nos recordam quem somos: imagem e semelhança de Deus e, portanto, com uma dignidade imensa. Essa imagem está manchada pela terrível guerra diária em nossas vilas e bairros. A criminalidade se espalha de forma tal que parece a todos paralisar.
No Brasil, hoje, se mata mais do que na guerra da Síria! Porto Alegre traz a triste marca de ser a quinta capital do Brasil em latrocínios. Isso revela uma grande tragédia!
Os mortos nas periferias, frequentemente jovens e pobres, vítimas de uma verdadeira guerra comandada por grupos aliciados pelos senhores do tráfico de drogas, caem no lugar comum das estatísticas. Quando, porém, a violência atinge pessoas de um estrato social considerado mais elevado, deixa de ser número e se torna manchete.
Quando uma sociedade subestima a importância do cultivo de valores e da promoção de autêntica cultura; quando se permite que o espaço das escolas se torne lugar de compartilhamento de verdadeiras barbáries; quando se desconsidera a importância do ensino com qualidade, de professores bem preparados e bem renumerados; quando a instituição familiar é atacada de forma vil, denegrindo-se assim a importância do pai e da mãe na constituição do lar como espaço de convívio e de formação para a vida em sociedade; quando as forças de segurança não são respeitadas e reconhecidas em seu importante papel social; quando o sistema prisional se torna espaço de organização do crime; quando algumas expressões do poder judiciário, legislativo e executivo dão sinais de que a vida das pessoas que lutam cotidianamente para ganhar o pão de cada dia de forma honesta e justa não está em primeiro plano, então a tragédia se faz sentir.
Para superar os inúmeros desafios que atingem a todos, se faz necessário “algo mais de amor, algo mais de bondade. Este ‘algo mais’ vem de Deus” (Bento XVI), embora falar de Deus, de amor e de bondade parece estar se tornando para alguns um delito. A mensagem papal aponta para a não-violência como meio para superar os desafios que temos pela frente. A não-violência pressupõe disposição para unir forças em vista de soluções para superação desses desafios.
Que o ano de 2017 seja marcado por um grande mutirão social em favor de vida digna para todos e que não-violência seja um estilo de uma política para paz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário