sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Bíblia

Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre


A palavra “bíblia” significa um conjunto de livros. A Bíblia é uma pequena biblioteca. Ela contém livros de caráter narrativo, sapiencial, poético, profético, litúrgico, jurídico, epistolar e exortativo.
A Bíblia foi escrita em um arco de tempo de mais ou menos mil anos, embora conserve tradições ainda mais antigas. 
Ela é fruto da tradição de um povo e espelha sua identidade. Recolhe a história desse povo. Contém sua memória. Auxilia esse mesmo povo a se autocompreender e a se orientar nos caminhos da história. 
Os protagonistas desta ‘pequena biblioteca’ são Deus e o ser humano: Deus de quem o ser humano é imagem e semelhança e o ser humano com sua insaciável sede de liberdade e justiça, de vida e verdade, desejoso de felicidade! Os diversos personagens que vão surgindo, ao longo da trama, são expressão das diversas faces do coração humano, com suas virtudes e misérias. 
A Bíblia é uma obra clássica. Tornou-se o código cultural do Ocidente. Ela influenciou o campo das artes, da filosofia, da literatura, do direito, da vida religiosa e civil. Os princípios de fraternidade, igualdade e liberdade, como também os conceitos de pessoa, responsabilidade, justiça, solidariedade, história e escatologia, além da declaração dos direitos humanos, surgiram no âmbito da cultura judaico-cristã, portanto bíblica.
A Bíblia pode ser lida em três níveis.
a) O primeiro nível de leitura é aquele da curiosidade cultural. Trata-se de um conjunto de livros que gozam de notoriedade. Um texto ‘clássico’ suscita curiosidade. Qualquer pessoa que ouve falar de um livro importante manifesta desejo de conhecê-lo!
b) O segundo nível de leitura é aquele no qual a pessoa se deixa envolver pela narrativa e, assim, torna-se participante de sua trama. Um texto começa a falar ao leitor, na medida em que colabora para desvelar seu íntimo. Quando o texto suscita interesse, promovendo a identificação com os distintos personagens apresentados, o leitor  torna-se participante da experiência narrada.
c) O terceiro nível de leitura conduz o leitor a experimentar aquilo que leu. Neste nível, a palavra lida é acolhida e torna-se vida. Ela concede ao leitor um novo modo de ser, proporciona-lhe uma mudança de vida!
Quando alguém se deixa atingir pelo terceiro nível de leitura da Bíblia, é possível experimentar a abertura de um novo horizonte, capaz de a tudo dar sentido. O modo de viver se transforma, pois os olhos e o coração atingem uma compreensão mais profunda e originária da realidade. 
Nos primeiros séculos da era cristã, havia o costume de proporcionar aos que desejassem se aprofundar na fé uma catequese narrativa. Os grandes comentários bíblicos, que surgiram nos primeiros séculos da Igreja, nada mais eram que catequese em favor do povo. 
A narração da relação de Deus com o ser humano – e vice-versa – é um modo de se falar de Deus e do ser humano. Ter no centro do processo catequético a Bíblia, compreendida como uma grande catequese narrativa, a qual chegou até os dias atuais por meio da tradição viva da comunidade de fé que a testemunha, é possibilidade de transformação da vida dos catequizandos e de promoção da vida das comunidades. 
O processo catequético é uma terapia do coração. Na terapia psicológica, por exemplo, o método utilizado é aquele de reviver a experiência através da narrativa desta mesma experiência. O valor da catequese narrativo-bíblica está em que a narração permite reviver a experiência. 
A experiência que perpassa toda a narração bíblica é aquela de um Deus-amor, o qual assume a carne humana, para que o ser humano possa participar de sua vida. 
Em um mundo fragmentado e sedento de Deus, uma catequese narrativo-bíblica ou de inspiração bíblica favorece o encontro com o mais íntimo do ser humano!
Fonte: CNBB

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