Nos últimos anos a catequese de uma forma geral vem procurando caminhos para superar algumas lacunas em sua aplicação e eficácia. Muito se reflete e muitas luzes são buscadas na antiguidade da Igreja. Nessa busca uma luz que se levanta de forma acentuada são os relatos da memória de Jesus e mesmo da tradição de narrativa de fé anterior a Jesus. Esses relatos se encontram no Bíblia Sagrada, tanto no Primeiro Testamento, quanto no Segundo. São coletâneas de experiência de fé. O povo que acreditou, que acolheu a Revelação, ao passar dos anos sentiu a necessidade de registro, para fins de transmissão. Hoje nós compreendemos que esse registro não foi feito por pura iniciativa humana, mas por inspiração divina. Deus, nosso Senhor, por sua caridade, quis marcar em páginas os seus sinais, e comunidades se prontificaram, na fé, a transcreverem esses sinais em suas próprias vidas. Deus continua a agir hoje, mas esta ação está mais claramente conhecida quando iluminada pela experiência dos antigos, daí a importância da aplicação bíblica na catequese. Como lugar da transmissão da fé, para iluminá-la, a Bíblia é elemento indispensável para a catequese.

O documento de estudo 95 da CNBB declara, em comunhão com a Catequese Renovada, que “o ‘ministério da catequese – é encarado como ‘ministério da Palavra’: anúncio da Palavra de Deus, a serviço da qual se coloca. Sendo assim, o ‘verdadeiro catequista tem a convicção (mística) de que é profeta hoje, comunicando a Palavra de Deus com seu dinamismo e eficácia, na força do Espírito Santo”. (CNBB, 95, pag. 58.). Essa proposta coloca o catequista com o compromisso de conhecer a Palavra, sabendo que esse conhecer é sempre gradual, requerendo constante aprofundamento, para ler a vida iluminando-a com a Sagrada Escritura.
Por sua vez, o Diretório Nacional de Catequese nos diz que “a fonte na qual a catequese busca a sua mensagem é a Palavra de Deus” (CNBB, 84, n. 106), isto é, essa Palavra fontal é o lugar de onde o catequista não deve se distanciar. O apego amoroso à Palavra deve caracterizar o catequista, com o fim de que sua catequese não seja uma fala sua, ou a ideologia de um grupo religioso, mas de fato se constitua como demonstração catequética do mistério em Deus, ajudando aos que buscam a catequese a entrarem no mistério de Deus, que passa pela Igreja, e por ela toda, não só por uma parcela da amada Igreja, por isso o mesmo Diretório recordar que “essa Palavra de Deus é compreendida e vivida pelo senso da fé do Povo de Deus, é celebrada na liturgia, brilha na vida, no testemunho e na caridade dos cristãos, particularmente dos santos, é aprofundada na pesquisa teológica e manifesta-se nos genuínos valores religiosos e morais que, como sementes da Palavra, estão disseminados na sociedade humana e nas culturas.(CNBB, 84, n. 106).
O papa Bento XVI, hoje emérito, na Verbum Domini recorda de forma clara “é precisamente a fé da Igreja que reconhece na Bíblia a Palavra de Deus; como diz admiravelmente Santo Agostinho, ‘não acreditaria no Evangelho se não me movesse a isso a autoridade da Igreja Católica’. O Espírito Santo, que anima a vida da Igreja, é que torna capaz de interpretar autenticamente as Escrituras. A Bíblia é o livro da Igreja e, a partir da imanência dela na vida eclesial, brota também a sua verdadeira hermenêutica” (VD, 29). Com isso, o Papa emérito Bento XVI reforçou uma das mais caras distinções entre as igrejas da Reforma e a Tradição da Igreja Católica, não como ofensa a qualquer uma delas, mas como identidade católica: a Igreja lê a Bíblia como Igreja, como comunidade de fiéis, isto é, na Tradição Católica a bíblia é lida como um livro da comunidade, não imperando a livre e individual interpretação. Por isso, uma catequese para ser bíblica, tem que considerar que a leitura da Palavra está dentro do contexto da Igreja, não pode impor-se como leitura meramente pessoal, é lógico sem perder o que cada pessoa recolhe da Palavra, é preciso fazer uma síntese com o patrimônio católico. Ainda lembra Bento XVI, fazendo referência a São Jerônimo, “que sozinhos, nunca poderemos ler a Escritura. Encontramos demasiadas portas fechadas e caímos facilmente em erro […] somente com o ‘nós’, isto é, nesta comunhão com o Povo de Deus, podemos realmente entrar no núcleo da verdade que o próprio Deus nos quer dizer.” (VD, 30).
Os documentos da Igreja insistem em propor a leitura eclesial da Palavra, que interfere diretamente na leitura mais comum que se faz em nossos dias e que possui grande influência de muitas igrejas da Reforma (protestantismo histórico, pentecostais e neopentecostais), que consiste em ler a Palavra de forma fundamentalista. Essa prática ganhou maior visibilidade com as igrejas midiáticas seja no mundo católico quanto também na Reforma, o problema é que o mundo católico, que possui uma Tradição e um Magistério, ao lada da Palavra, nas bases, isto é, em grupos diversos do dia a dia de nossas Paróquias, distanciou-se, em muito, gravemente da leitura com a Igreja e passou-se a uma leitura “minha”, isso tem influenciado a catequese. Mas este não é o caminho, nem destes grupos católicos e tão pouco da catequese, pois a Igreja entende que a leitura bíblica exige o caminho da comunidade, e não de revelações pessoais. Desviar-se do fundamentalismo é o caminho necessário para a eficácia da catequese que queira levar a uma maturidade da fé, ao invés de um infantilismo.
Todo esse processo de desvio do fundamentalismo não é por meio de uma abrupta imposição, mas gradual, que se inicia com a própria formação dos catequistas, aliás, como dizemos no popular: “não podemos oferecer o que não temos”. Por isso, o catequista deve sentir-se motivado a uma formação bíblica básica ou mais aprofundada, afim de que possa enfrentar questões que lhe exigem conhecimento bíblico fora do horizonte do fundamentalismo, aliás, nenhuma questão séria da vida social, política ou eclesial encontra solução válida em uma mera leitura fundamentalista da Bíblia. Pode até encontrar uma resposta fácil, mas pode levar ao erro.
Outro elemento essencial do catequista com a Bíblia é a oração. A Bíblia não é só um livro de estudos, ela é Palavra de Deus entrelaçada com a vida humana. É preciso rezar. O método de leitura orante faz parte da mais antiga tradição da Igreja e sobre ele diz o Diretório Nacional de Catequese, “a leitura orante da Bíblia alimenta nas pessoas a escuta atenta à Palavra e o diálogo filial com o Pai” (CNBB, 84, n. 111). O catequista deve ser uma pessoa de oração. O seu instrumento fontal de exercício do ministério é a Palavra, mas também é o seu primeiro instrumento de oração. Diria que nenhum catequista deveria chegar ao seu encontro de catequese sem antes ter REZADO os textos que irá tratar no encontro.
Por fim, a Bíblia é indispensável para a catequese, mas que sua aplicação seja em comunhão com a Igreja, e que não incorra no fundamentalismo aliado a um emocionalismo estéreo para a comunidade, ajudando as pessoas a entrarem gradualmente no mistério de Deus em nossas vidas, de forma que a alegria da fé inunde todo o nosso ser. Por conseguinte, que seja uma experiência mística, orante que integre e envolva os sentimentos mais profundos do humano, para lá ver a Deus, que nos acompanha, nos instrui, nos liberta de forma integral. Uma catequese bíblica é aquela que chegou a maturidade e instrui para a inserção na vida comunitária.
Pe. Abimael F. Nascimento, msc
Fonte: Arquidiocese de Fortaleza
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