sábado, 5 de março de 2016

O preço da cultura

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)



As crises que pesam sobre os ombros da sociedade, sacrificando os cidadãos, precisam ser enfrentadas, mas não de modo qualquer. Sua superação exige a permanente consideração do tecido da cultura, substrato que alicerça a determinação na busca de soluções, na elaboração de respostas e na configuração de um modo cidadão de ser que empurre o conjunto da sociedade na direção da justiça almejada, da paz sonhada e dos equilíbrios políticos sociais. 
Quando comprometida a qualidade do tecido da cultura, o caminho é percorrido em areia movediça, com surpresas desinteressantes e com pouquíssima resiliência para se alcançar metas com força de efetivar novos cenários. Não basta, por isso mesmo, que o esforço de dar nova dinâmica à economia, com a superação dos seus descompassos em desempregos, desigualdades, corrupção e indiferenças, se faça pela via dos números. Por critérios frios na definição das taxas de juros, da lucratividade ou fortalecimento egoísta de setores.  
O Papa Francisco, nesse horizonte, reforça a importância dessa compreensão com uma advertência pertinente. Na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, no capítulo segundo, sobre a crise do compromisso comunitário, sublinha a responsabilidade de cada cidadão. É preciso que cada pessoa, particularmente os formadores de opinião, construtores da sociedade, intelectuais e religiosos, assuma o compromisso de indicar soluções eficazes para as crises e os problemas. E mais, adverte a todos pelo desencadeamento dos processos de desumanização que podem se tornar irreversíveis, dentre eles, o da violência que permeia todos os âmbitos de nossa vida em sociedade. 
Nesse contexto, vale refletir com profundidade sobre as várias faces dessa violência, desde a doméstica, com estatísticas absurdas de agressões a mulheres, crianças e idosos, silenciada na privacidade dos lares, às sofridas pelos cidadãos e que atentam contra a inteireza da dignidade humana, até aquelas perpetradas com inteligência doentia nos atos de terrorismo, na corrupção e pelas grandes organizações criminosas.
Os progressos atuais da humanidade são incontestáveis em vários campos do saber tecnológico e da cultura, mas ainda não são capazes de fazer frente a essa triste realidade. São igualmente desafiadoras a exclusão social e a pequenez na estatura cidadã, que precisa urgentemente alavancar processos de mudanças e operacionalizar ações que tenham força para transformar a realidade que hospeda a cidadania no conjunto da sociedade contemporânea. 
Vale-nos reportar ainda ao Papa Francisco, na citada exortação apostólica, quando constata o desvanecimento da alegria de viver, em consequência do recrudescimento da violência e da falta de respeito, patentes especialmente na imensa desigualdade social. Prova da incompetência de governantes e de segmentos variados da sociedade, na efetivação das mudanças capazes de reconfigurar os humilhantes cenários que atingem frontalmente a cidadania. 
Os saltos velozes, qualitativos e quantitativos, verificados no progresso científico e nas inovações tecnológicas, nos diferentes âmbitos da natureza e da vida precisam contar com a qualidade do tecido da cultura, do qual cada cidadão é portador. Esse tecido cultural, como substrato no caráter e na compreensão do mundo, é determinante para que tenha impacto em cada cidadão de modo a formar os sentidos comunitário e social que deem rumos novos e soluções às crises. 
A exemplaridade da cultura mineira, que se desdobra em muitas, convence e explicita o quanto a qualidade do tecido cultural alavanca possibilidades enormes de progresso, pelos valores em tradição, patrimônio, religiosidade, e até na culinária e nas dinâmicas familiares. Patrimônio que exige tratamento adequado por parte de todos, particularmente de seus líderes. Não se pode pensar que o conjunto de uma sociedade regional ou local se desenvolva e aposte em outros crescimentos, esperando que os recursos “caiam do céu”. Ou ainda, que os investimentos venham de fora, criando relação de submissão a novas formas de poder, muitas vezes anônimo.
A cultura é um capital da mais alta relevância no desenvolvimento e nas transformações urgidas pela realidade.  Uma sociedade, como a mineira, precisa debruçar-se mais sobre os seus segmentos, da história às expressões variadas, da geografia aos seus monumentos e ao jeito de ser do povo, para contabilizar os preços dessa rica cultura. Em razão, especialmente, das necessidades de desenvolvimento, de soluções dos problemas urgentes e do desenho de novos cenários é indispensável que nosso tecido cultural tenha mais investimento em educação, consciência social e políticocultural. É preciso ir além das lamentações, das constatações e da falta de força nas ações. 
O tecido da cultura existente pode ser o “pé de apoio” para se dar um salto adiante e não enjaular-se na mediocridade de alguns governantes, líderes religiosos, intelectuais. Mergulhados e afogados na burocracia, não apostam em processos e projetos, não valorizam a oportunidade de estar e de ser parte dessa cultura chamada sociedade mineira. Assim, paga-se o preço de não avançar e de habituar-se a estilos acanhados demais, vivendo na pobreza, apesar de fazermos parte de uma história de grandes riquezas e sermos detentores de um patrimônio singular em sua relevância. 
A cultura expressa nos hábitos, na consciência histórica e política, na valorização “quase bairrista” do nosso patrimônio com sua inteligente utilização e cuidado, é a alavanca para mudar e fazer crescer, com força maior do que os royalties e certos “dinheiros”, redimindo, assim, dirigentes, lideranças - cidadãos todos - da mediocridade. É hora de buscar novos rumos e respostas.
Fonte: CNBB

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