O que Jesus e os discípulos estavam fazendo em Marcos 2,23 seria
perfeitamente lícito aos olhos dos fariseus se não fosse realizado no
sábado (cf. Deuteronômio 23,25). A Tradição oral determinava
minuciosamente o que podia e não podia ser feito aos sábados. Havia até
uma lista de 39 verbos (trabalhos) que não podiam ser feitos naquele
dia. Quatro destes verbos (colher, debulhar, limpar e preparar) eram
descrições do que os discípulos estavam fazendo ao comer.Jesus combateu a tradição judaica muitas vezes, especialmente as
tradições com respeito ao sétimo dia. Há uma grande quantidade de
situações nas quais o Senhor entrou em choque com os judeus nesta
questão (cf. Mc 3,1-6; Lc 13,10-17; 14,1-6; Jo 5,1-9; 16-17; 7,22;
9,1-14). A seita dos chamados essênios, por exemplo, proibia claramente
que um homem tirasse de uma cisterna ou fosso um animal que ali
tivesse caído (cf. Documento de Damasco, 11.13-14). Jesus, e até mesmo a maioria dos judeus, achava isso um absurdo (cf. Mt 12,11; Lc 14,5, também 13,15).O Mestre citou o exemplo de Davi, em I Samuel 21,1-6, para chamar
atenção dos seus opositores ao fato que nem tudo pode ser resumido ou
explicado pela tradição rabínica. Davi comeu os pães da proposição (cf.
Lv 24,5-9) numa situação de perigo de vida e não foi punido por isso.
De fato, esse evento ocorreu num sábado, dia no qual os pães eram
retirados do tabernáculo, substituídos por outros e disponibilizados
aos sacerdotes para seu alimento. Tal fato não prova que os pães da
proposição podiam ser comidos por qualquer um; pelo contrário, a
exceção prova a regra. Quebrar a Lei de Deus quando houver
necessidade não é o que Jesus ensina aqui. O que fica provado é que o
modo rígido e legalista dos fariseus de interpretar a Lei não explicava
tudo (cf. Mc 2,25-26).De fato, Davi só comeu os pães da proposição impunemente por ter Deus
concedido a ele esta prerrogativa naquele momento. De uma forma similar,
Jesus tem prerrogativas e autoridade superiores às da Tradição e da
própria Lei judaica, por isso diz: “Se Davi teve autorização para
quebrar o protocolo, muito mais o Senhor de Davi pode fazê-lo”. O provérbio “O sábado foi estabelecido (feito) por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” é
peculiar a Marcos, não sendo retomada por Mateus e Lucas. É difícil
saber o motivo da omissão da frase nesses dois Evangelhos. O interesse
pode ser simplesmente o de resumir Marcos, gerando espaço para
introduzir outros materiais. Este é o costume de Mateus e Lucas. Outro
motivo seria o de eliminar qualquer ambiguidade ou mau uso da frase nas
comunidades receptoras das obras, embora seja muito questionável e
difícil imaginar quais seriam estes maus usos do provérbio.O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado”
é uma clara alusão à criação. Jesus usa o verbo na chamada voz passiva
(‘foi feito’) para designar a ação de Deus. O Senhor criou o homem no
sexto dia e estabeleceu o sétimo como dia de repouso.A própria ordem da criação indica que o homem era o alvo do benefício do repouso sabático.Louvor e Glória ao Senhor!
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